terça-feira, 10 de março de 2009

O caráter e o molde

Outro dia contei para um amigo e ele rachou de rir. No meio do bar. Começou a gargalhar sem ter bebido nem um copo da porcaria meio quente de cerveja que eu estava bebendo sozinho. Ele que poucos minutos antes estava com cara de bunda porque não tava bebendo, o emprego tava uma merda e a vida não ia pra frente. Eu, que estava com o emprego e a vida atolados no mesmo esgoto, e por isso bebia, resolvi alegrar aquela cara de bunda com uma historinha constrangedora de infância. Coisa simples, cruel e engraçada, como toda boa história de criança.

O caso era que lá pelos meus doze anos, matriculado em uma sexta série de colégio de freiras, tão tímido que parecia ofensa e mais magro que tímido, tinha me acontecido um desses momentos em que parece que o mundo para só para rir da gente. Uma das garotas da turma - precursora dessas paparazzi que têm câmeras na bolsa, no celular, no batom, nos óculos e ficam tirando fotos das amigas, dos amigos, das amigas com os amigos, dos amigos com desconhecidos incautos, das amigas fazendo pose, dos amigos rindo das poses das amigas, e de tudo que envolva amigos e amigas até o cartão acabar –, resolveu juntar todo mundo para uma foto. Eu - que também era todo mundo e filho de Deus – me uni a uma extremidade daquele bolo de crianças que já se achavam adolescentes. Foi aí que a menina, de apenas doze anos mas que parecia o diabo vestido numa malha azul com listrinhas brancas daquele colégio católico, soltou a frase: “Olha (ela era educada), você aí da ponta (e não sabia meu nome, claro), não tá cabendo todo mundo na foto, então você não vai sair não, tá?”. Eu, que na época mal falava com garotas, respondi a única coisa que veio à minha cabeça humilhada e repleta de uma inocência há muito perdida : “Tá”.

É claro que me lembro disso até hoje, mesmo tendo esquecido o resto da sexta série inteira. Não lembro o nome da pirralha, a cara da pirralha ou mesmo quem eram os escolhidos que saíram na foto. Lembro vagamente que os poucos amigos da época me consolaram e ajudaram a inventar xingamentos para a gracinha. Lembro também que na hora pensei que ela podia ter dado um passo para trás (aliás, eu era tão magro que menos de meio passo já me enquadraria) ou podia não ter falado nada, já que eu não ia ver mesmo a porra daquela foto depois que ela fosse revelada (é, naquele tempo eram aqueles rolinhos de filme mesmo, mas velho é o caralho!). Depois de 18 anos sofrendo – até hoje corro para conferir no visor da máquina para ver se não me cortaram de alguma foto -, penso que melhor seria se eu tivesse dito: “Ah, querida, faz assim então: vem você pra cá, aperta um pouquinho o pessoal e deixa que eu tiro, assim você também sai na foto”. E depois cortá-la do enquadramento, já que ela só descobriria ao abrir o pacote do Cine Foto JB. Mas é claro que Deus só faz a gente pensar numa vingança assim tão boa e classuda quando ela já tá fria pra cacete e nem dá mais pra comer.

Garotas me magoaram depois com muito mais requinte e hoje acho até singela a historinha. Fora que ela é infalível contra caras de bunda. Mas precisa rir tanto, porra? É o tipo de história que você ri pra caralho, mas só enquanto o cara que te contou também está rindo. Depois você para, cacete! Foi o que eu disse para o abstêmio. E ele rebateu: “Mas é engraçado demais! E você tem que pensar que coisas desse tipo moldaram o seu caráter e te transformaram nesse cara bacana que você é hoje”. Só um sem vergonha que não bebeu nada para dizer uma frase dessas a um amigo do peito. Desisti de argumentar, bebi mais um copo da cerveja (que a essa altura descia rolando, uma maravilha) e pensei que na época eu também era um cara bacana (talvez até mais) e que ainda hoje, após quase duas décadas de pancada, meu caráter continua sendo insistentemente moldado.

8 comentários:

Anônimo disse...

Hehehehe, essa história é boa demais... melhor é saber q tu é tão gente boa q contou para alegrar um amigo. Mas faltou dizer q tu continuou fazendo pose para a "doce" fotógrafa.. heheh
Abraço

Anônimo disse...

caracas Mateus, essa história é absolutamente impressionante! Eu tô passando mal até agora!!
Abraço

Vagner Vargas disse...

haha, bela história. Todo mundo passa por algo parecido nessa fase da vida.

Ana Rita Gondim disse...

Hahahahahahahahahah... Adorei, Mateus! Soube do blog e da historia por um amigo seu, que esta aqui ao lado. E rende uma risada, sim, viu! rs (desculpe, o teclado nao coloca acento, interrogacao... uma maravilha... rs). Beijos.

Paulo Rená da Silva Santarém disse...

Total "momento estilo Sony"!

Muito bons a história e o texto! Deu pra ouvir a risada do Lette!

Sabrina disse...

Mateus, essa menina hoje é mãe de 4filhos encapetados, trabalha nas Casas Bahia e o marido dela curte funk pancadão. Você sabe disso, não sabe?? Chama-se retribuição diviba!! :D

Dáfani disse...

Gracinho,
Estou há 3 semanas dormindo de 3 a 4 horas por dia, estudando, totalmente lesada e você realizou algo incrível - conseguiu desfazer a minha cara de bunda agora! (E eu pensei que só conseguiria com cirurgia plástica)
Muito boa a história! E o texto dispensa comentários, né?
Bah, um dia (tomando aquele chima) te conto umas histórias minhas, garanto que dará muita risada também!!!

Obrigada pela economia: (cirurgião plástico, anestesista, diárias, etc...)

=*

Gracinha. (não a gracinha do texto)

Anônimo disse...

Já estamos em dezembro, é isso? Vou ter que esperar até quando pra rir de outra história dessas?
Bom, espero que tenha contado isso para o seu terapeuta.
Olhos castanhos!!! rsrsrs