domingo, 27 de julho de 2008

Paciência

Odeio esperar. Apenas um minuto de espera é suficiente para desestabilizar minha parca inteligência emocional de uma maneira que só o futebol, o trânsito ou certas bandidinhas conseguem. Há umas duas semanas, saí do trabalho tarde na quinta-feira e rumei direto para o Piauí (a distribuidora de bebidas e não o glorioso estado). Não me preocupei com nada, já que há pelo menos cinco anos me encontro com o mesmo grupo de amigos, sempre às quintas, mais ou menos no mesmo horário e sempre no Piauí – o ambiente é sórdido, o atendimento viola artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o dono usa base nas unhas, mas nós sempre voltamos.

Dessa vez, contudo, cheguei à 403 Sul – no famoso quintal de curtos limites que depois das 3h é dominado por uma gangue de ratazanas, mas antes parece mais sujo – e ninguém do grupo estava por lá. Liguei para cada um e todos usaram a mesma frase calhorda: “Tô chegando!”. Mesmo assim, cometi o erro de escolher uma mesa vazia, sentar e pedir uma cerveja. Disposto a preservar o centímetro de dignidade que ainda me separa de um alcoólatra profissional, enchi o copo, mas não bebi – sozinho nunca! Hoje, consultando a memória, eu diria que aquele copo permaneceu intacto por umas duas horas. Mas deve ter sido meia hora das mais longas da minha vida.

Sei que foi tempo suficiente para olhar o relógio 762 vezes, mudar 831 vezes de posição na cadeira, mexer no celular, ajeitar o cabelo e olhar para os lados vocês entenderam o número de vezes. Ainda deu tempo de imaginar uma morte detalhada e diferente para cada um dos meus amigos e sonhar com discursos intermináveis sobre falta de consideração. Mesmo com o copo intocado, tenho certeza que os promissores jovens freqüentadores do local me olharam como o futuro a ser evitado e os alcoólatras asquerosos que já fazem parte da decoração me julgaram parte da decoração. Quando, enfim, chegaram os caras que eu mais amo neste planeta, fiz meu drama, ameacei ir embora, jurei represálias, mas logo passamos a assuntos mais importantes.

Depois, fiquei quase uma semana me achando o cara mais responsável daquele grupinho de individualistas. Mas, na quinta seguinte, pela manhã, precisei ir a uma clínica de oftalmologia, para exames de rotina. A maratona se dividiu em seis partes: pré-atendimento, atendimento na recepção, primeiro teste, dilatação das pupilas, segundo teste e consulta com a doutora, com intervalos de quarenta minutos entre cada um dos eventos. Aguardei mais tempo em uma manhã do que a soma dos minutos de espera dos seis meses anteriores. È claro que, no dia, esqueci de colocar o ipod ou qualquer livro na mochila.

Interpretei a purgação oftalmológica como uma merecida surra divina pela soberba alimentada durante a semana. Mas é claro que não foi só isso. Transcorridas as duas primeiras horas de espera, uma velhinha de traços orientais sentou-se de frente para mim. Ela também aguardava. Mas fazia isso com tal delicadeza que não pude deixar de fitá-la, tentando adivinhar que sorte de provações haviam criado aquele bibelô de paciência inquebrantável. Observei-a por tanto tempo que ela notou e, num movimento de suavidade nipônica, pousou o olhar em mim. Sou tão fechado que costumo desviar os olhos até mesmo dos meus próprios no espelho. Mas me senti tão compreendido que, sem esforço, sustentei o olhar e pensei em pedir, com a humildade das minhas pupilas dilatadas, por orientação. Nesse exato instante chamaram a velhinha. Ainda não havia chegado a minha vez.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Preto no branco

Boa parte das minhas noites eu passo com pessoas sensacionais: Marcão, Petrô, Robertinho, Elinho, Pipo e Gustavo Adelmar Mariani. Juntos, fazemos o Torcida, caderno de esportes do Jornal de Brasília. Não é o melhor caderno esportivo do mundo, mas é feito com garra, boa dose de sacrifícios e, juro pra vocês, paixão. A equipe é pequena, mas não poderia ser melhor. Não há uma só pessoa que eu não goste, admire e respeite demais entre essas seis. Sem eles, ficaria muito mais difícil, para não dizer impossível, suportar as inúmeras dificuldades do trabalho.

È com eles que eu divido a alegria por acompanhar clássicos como Coritiba x Ipatinga ou Vitória x Náutico e depois ter de escrever, numa noite de quarta-feira, até 1h da manhã. Imaginem ter de esperar, num sábado à noite, uma partida como Gama x Brasiliense acabar para só depois ir para casa. Seria tudo perfeito, não fosse um detalhe: Marcão, Petrô e Robertinho torcem pelo Flamengo. Mariani é vascaíno e Elinho sofre com o Botafogo. Eu e Pipo dividimos o imensurável prazer de torcer por um time que há sete anos não consegue vencer o Botafogo. Mas a maioria é flamenguista.

Como essa praga assola o País desde que eu era criança, não é algo que me incomode muito. Mas sou obrigado a trabalhar ouvindo toda a sorte de estultices rubro-negras, ainda mais agora que o time chapa branca lidera o Campeonato Brasileiro. Respondo sempre à altura, preto no branco, sem dar margem a réplicas. Mas ontem levei um jab que me estalou o crânio. Entrei no jornal e já fui contando: “Ontem, sonhei que o Atlético era campeão da Copa do Brasil em cima do Flamengo”, certo de que o plano onírico desencorajaria qualquer respostinha mundana. Mas Petrô revidou de pronto: “Então volta pra cama, Mateus, porque você é mais feliz dormindo”. Era para ser apenas mais uma agressão gratuita entre torcedores rivais, mas doeu como verdade.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Contra todos

Entro na locadora e vejo uma garotinha – que devia ter, sei lá, uns dez anos – se esforçando para conseguir colocar as mãozinhas sobre o balcão enquanto berrava: “Eu odeio Juno! Nunca mais quero ver Juno na minha vida!”. O rapaz que estava com ela, provavelmente irmão, a ignorava. O balconista sorria. Eu até pensei em ir perguntar quais eram os argumentos que embasavam a opinião da revoltadinha. Mas o irmão logo a levou embora.

Juno, para quem não sabe, foi indicado ao Oscar de melhor filme este ano e levou a estatueta de melhor roteiro. Não é um filme ruim, mas também não é capaz de corresponder ao frisson que foi criado em torno da obra. Com diálogos espertinhos e um ponto de vista estritamente feminista, Juno rapidamente se transformou em queridinho das meninas superpoderosas. Quando várias garotas de uma escola dos EUA ficaram grávidas ao mesmo tempo, a imprensa chegou a dizer que as adolescentes poderiam ter sido influenciadas pelo filme. As expectativas da garotinha talvez fossem maiores do que ela mesma.

O mais engraçado, para mim, foi ver Juno se tornar vítima de sua própria época. Depois de assistir ao filme, cheguei à conclusão de que a grande virtude da narrativa de Diablo Cody (a roteirista) é conseguir ser muito contemporânea sem precisar apelar para qualquer tipo de truque. Em um mundo de adultos infantilizados e crianças neuróticas, não chega a ser surpreendente que uma adolescente seja alçada a ícone de maturidade em um filme. Menos surpreendente ainda é ver tal ícone ser referendado pelo público alvo. Sobressalto mesmo eu tive ao ouvir o desabafo da garotinha. Mais do que uma birra cinematográfica, aquele grito estridente soou como um protesto contra o desconforto imposto por uma era.. Não pude deixar de rir. Tomara que ela mantenha a promessa.

domingo, 20 de julho de 2008

Verbo

Não saber o que falar pras pessoas é tão diferente de não ter o que falar pras pessoas.

sábado, 19 de julho de 2008

Retorno

Comecei este blog pouco tempo depois de ter perdido tudo o que já havia escrito na vida. Meu disco-rígido (tem hífen, né?) queimou e nem uma bela soma de dinheiro foi capaz de resgatar as informações que nele acabaram enterradas.

O pior é que essa perda foi apenas mais uma entre várias de um período que apelidei de Fevereiro Negro. Sempre marcante o Carnaval. Enfim, depois de cinco meses de purgação, volto a escrever por aqui, agora mais leve. Deixo os quatro primeiros posts – de inspirações variadas – como marcas daquele breu. Depois explico o título do blog e o monte de outras coisas que talvez fosse preciso explicar antes. Mas prefiro recomeçar com um comentário impertinente sobre notícia que li ontem.

Goiânia, essa terra abençoada onde os pais, tomados pelo amor, batizam os filhos com combinações intrincadas de sílabas de seus próprios nomes, recebeu, na sexta e no sábado, dois jogos da seleção brasileira de vôlei masculino – sim, aquela do Bernardinho e de galãs improváveis como Giba, Dante e André Heller. Vencemos a Venezuela, este eterno sparring, duas vezes, por 3 sets a 0, para deleite de uma multidão formada em grande parte por sopranos.

O caso é que no fim do jogo, no ânfamo (como diria o sábio dono do Real Society, cujo neologismo tomo emprestado para não ter de usar o menos expressivo “afã”) da vitória, o público se excedeu e uma grade de proteção cedeu. Algumas pessoas caíram de uma altura de 1,5m e quatro se machucaram. Todas estão bem e já receberam alta, mas mesmo assim peço perdão pelo incômodo que o humor do texto possa causar aos pouco afeitos a distanciamentos. Não pude deixar de pensar que em nenhuma outra capital brasileira, talvez nem mesmo entre as inigualáveis metrópoles nordestinas, seria possível encontrar, em um grupo aleatório de quatro pessoas, três nomes do quilate de Laurenita, Aurenita e Braucileny. Tudo bem que a quarta vítima assina Paulo Sérgio, mas não será goiano este ordinário nominho composto. Ou, se for, de certo terá pais paulistas.